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Mensagens

A mostrar mensagens de outubro, 2019

Beco sem saída

Abasteço-me de coragem e empreendo um caminho sem retorno Furto-me à baioneta certeira ao peito E enfado-me pela neura dos gestos Em eterna fastidiosa e penosa repetição Na secura das gargantas sem testemunho nem afetos A ansiedade em chamas vomita a palavra E no beco sem saída empreende o trepar pelas paredes Por entre saltos de vedação dilacerando a carne Perante acústicas berrantes de chiadeira das dobradiças Crepitando a melodia peganhosa das crucificações fascistas Enquanto o entusiasmo ténue e quebradiço Cria a transpiração do cansaço do rasgo do enguiço O estendal contaminado pela poalha na betesga armadilhada Avisa-nos do afundamento dos canais de escoamento Nas galerias milenares mudas e ensopadas Onde o oxigénio rarefeito bloqueia os pulmões Do gato vadio que traz consigo um coração negro gravado no costado Como se este fosse uma anunciação justificada de sangramento De um hipotético amor rasurado em corte profundo de maleitas

O alastramento dos insetos

As árvores acordam perante a revolta das abelhas Quando a picada em forma de porrada Anuncia os campos de fogo onde escarafuncham centelhas A contaminação das terras As sementes em transformação Comprimem o esfregaço o embaraço O enriquecimento a contrafação O fervilhar químico dos mares A palhaçada o nada O estampido preciso no desfalecimento dos lares A flutuação das lixeiras a peçonha a vergonha A putrefação dos currais volteia em eterno retorno Vomitados pela serpente do engodo do esgoto O cheiro cinzento da borracha no asfalto A inundação das ervas trepadeiras Apagando os hieróglifos do aviso da catástrofe As pedras milenares talhadas Ao abandono das searas e a destruição das videiras Os algoritmos instalaram-se pomposos Nas linhas magnéticas do sol e nas vias rápidas virtuais Nos túneis elétricos das equações matemáticas Decidindo em ignorância total o fuzilamento Escondem-se o juiz e a lei nas meias verdades em estrangula

Boneca de porcelana

Aparece no palco artificial em movimentos de sorriso genuíno Enganando o pagode com o seu palavreado subtil Degustado há milhares de anos por aprendizagem e competências de extermínio Entrelaçadas com cenas de amor e ódio de sofista Que vende o caixão de ouro ao futuro morto Empreendendo discurso rasteiro vacilante e torto Move-se a boneca de porcelana no meio adjacente À miséria dos casebres e aos dejetos de rua Pois quer aplausos protagonismo e o bolso sempre recheado Pelos cartões maravilha que acumulam valores de troca Aglomerando hienas que lhe seguem as pisadas Denotando azedume na dança das palavras falaciosas De quem passa a vida a viver na sua fortaleza de tiro ao alvo Do alto da torre derrubando o pateta idiota mono Que também anseia por bilhetes de visita aos cofres ocultos Como código de acesso ao poder e ao trono Bom seria se todos fossem para bem longe e sem vintém Caberiam todos no mesmo trem Seguiriam a boneca de porcelana

Rede de pesca

Foto:  José Lorvão Comprime-se a rede de pesca dobrada cuidadosamente dentro de uma arca À espera que outras vontades lhe deem serventia Pois a tarrafa lançou-se incontáveis vezes ao rio e aos charcos profundos Onde outrora as lontras saboreavam os esconderijos Por entre malabarismos líquidos em tornados de espeleologia Estão gravados no entrançado da rede os gritos pelo sustento Sonoridades e danças que me circundam em rodopio qual asas planando Pelos interstícios das velocidades capturando choros de crianças despidas de roupas e nutrimento Enquanto membros frágeis mergulham na água gelada da zona raiana em pleno inverno Quero envolver-me e cortar a rede como uma coberta de laçadas Transformando o horror da míngua em delírio de fadas Bordadeiras de rituais de vida que por magia Transformam a fome em sorrisos e cintilações de manobras aladas Onde os cágados e os sapos as serpentes e os lagartos As raposas e os lobos beberiam da mesma nascente E