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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2020

Buraco da agulha

  A agulha cose o rasgão das calças e a estrela paciente recolhe-se No horizonte oceânico revolvendo as ondas exaltadas do tempo Perante o egocentrismo total da bicharada que se pavoneia alheada   As lentes dos óculos falham a perspetiva do enfiamento da linha No alvoraçar da busca sequiosa das insígnias e pódios de honrarias Impregnadas de dinheiro pegajoso passado por debaixo da mesa Em cenas acesas de holofotes venenosos em rasgos de pornografias   É diminuto o buraco da agulha descerrando passagem para a abundância Enquanto resvalo solitária no campo difuso do ostracismo Perco-me nos dorsos cansados e na sinuosidade dos reflexos Espera-me um terreno crepitante aberto à nudez trôpega dos loucos Uma clareira infinita que me suga os membros e o cérebro esgotado   Numa gélida insulação apartada de um rebanho em agonia de moucos   Como animal ferido esbarro contra paradoxos dando o último suspiro Longe da corrupção humana pois nada tenho para vender

O compasso indiferente da morte

O contar dos dias é semelhante ao tilintar das pedras imóveis e silenciosas Ao cheiro intenso da vegetação alastrando entre o odor envolvente da terra Aguardando os corpos incógnitos nas valas poeirentas desocupadas Quais sementes aguardando famintas o suave esplendor da lua Ávidas da rega sagrada do sol quente para lá das queimadas No compasso cego e desapegado da morte hirta gelada e nua Os canídeos ansiosos que ladram aos aromas contaminados no final da tarde Prolongam os ecos materializados na saliva estonteante do incómodo Pelo regresso sobressaltado dos roncos estridentes dos motores em riste Enlaçando velocidades adolescentes provocando o trânsito soalheiro em despiste A construção em madeira ergue-se vertiginosamente profetizando o fogo Qual catedral contemporânea frágil anunciando o provisório Na transição inflamada das horas santas livres de todos os males Enquanto a mensagem se perde na interferência das ondas hertzianas Ocultando-se na

A face oculta e gelada do silêncio

Hemialgias martelam nos corpos eletrocutados dos indigentes Pela demência retalhada das lombrigas dos homicídios Denunciando afetos enraivecidos pelos atos tresloucados Em lagos borbulhantes e sulfurosos germinadores de filicídios Nas veias contaminadas do escorpião em investida Só um rosto humano apreensivo surge na fixidez ilusória de um papel Já se ausentaram os olhares comunicantes e amorosos Em imagem estática na tentativa frustrada de eternização do cruel O gemido do oceano acusa a parasitagem pedestre nos hortos intermitentes Onde os ladrões aguardam a distração dos galináceos Gerando enredos floreados de luminosidade beijando o próprio umbigo E as rosas florescem espinhosas por entre múltiplos infernos Sobrevivendo nas intempéries desastrosas das mágoas sem searas de trigo Pela madrugada gelada do silêncio aguardo a hedionda tempestade Esperançada na limpeza das ratazanas na desinfeção das sacadas   Desperto na descoberta da encruzilhad

Estado de calamidade

  Foto: José Lorvão Anunciam-se aos ventos catastróficos tempos espinhosos Interioriza-se que a verdadeira praga Aparece como bicho sem emoções humanas Que dá pelo nome de industrialização capitalista E como verme corrosivo vem-nos devorando o corpo e a alma Ao longo das cintilações de extermínio do passado e presente Que provocam flagelos cada vez mais mortíferos Numa plataforma escorregadia indiferente ambiciosa e calculista Triste maio que açaimas as bocas atabafando os prantos Eliminando sorrisos e expressões faciais milenárias Anulando a comunicação instintiva de quem capta um rosto por inteiro Endurecendo a inquietude das ignorantes práticas sanitárias O mundo atola-se na lama da precariedade da saúde pública A nutrição harmoniosa aparece como utopia Num povo sobrevivendo à míngua desdentado e contaminado Pelas más condições de vida sem vigor e educação Pois a ruína ecológica é fruto da insanidade Da paranoia dos ditadores e dos t

Insónia

Foto: José Lorvão A emergência da catástrofe resgata anónimos sem ninho Soterrando cadáveres em ilhas vazias assombradas Onde a putrefação excedeu a sobrevivência no esquecimento dos nomes E as lágrimas de insónias perderam o sal nas masmorras da crueza social No desencanto indiferente em intermitências de desamor Os corpos escondem-se no escuro amordaçado dos cubículos E na fluorescência hipnótica espertina dos ecrãs inundados de suor Os olhos cansados contemplam um sol radiante e aconchegante Acalentando cérebros e corações esperançados num mundo de esplendor Lábios fissurados sangrando anunciam o caos pandémico De um planeta estático esperando em vigília a descontaminação Enquanto os suicidas regressam à proteção falsa do útero materno Transferindo o salto para lá da percecionada dimensão Loucas baratas que rastejam no lixo sem cabeça Escarafunchando sobre a pigmentação dos rostos despertos Selados pelo temor da desmoralização das famí

Padecimento

Foto: José Lorvão A estranheza do corpo que manobro confunde-me os sentidos Compelindo o deglutir da saliva impregnada de palhaços malabaristas Que se divertem jubilosos por entre os espaços em extenuação Esses estupores adquiriram garras e caninos afiados como lâminas Que rasgam os músculos e esperam risonhos que me contorça Aguardando na fila em penitência para a entrada na cremação Os bichanos olham-me fixamente como se adivinhassem A vibração deturpada com que me congelo fintando a dor Por entre arrepios de frio que me cortam em pedaços Inventando circulações de física quântica Abrindo e fechando portais de ecos melindrados Com a incoerência traidora da espécie humana E uma parte de mim se desprende e enreda por outros espaços Como conseguimos sobreviver perante tamanha estupidez Em alternativas esquizofrénicas pulando em andarilhos de louva-a-deus Cegueira crua e dura convencidos da posse eterna do paraíso Assinamos um pacto com a qu