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A mostrar mensagens de 2021

Resistir

  Foto: José Lorvão A minha própria voz soa-me a desgaste Não sou eu! Apenas um molde das marés Um retrocesso mascarado num “déjà-vu” Embrenhei-me no fluído de imprecisão ondulatório E deixei-me conduzir pela corrente magnética Controladora de pânico por entre o enredo sufocante Num ambulatório cortante e desconcertado A caneta apresenta-se agora nestes dias de ausências Arremesso pesado estranho e ignorado   O azul claro do céu temporário tornou-se por instantes o meu alimento E as árvores! Sempre as árvores companheiras de partilha De trilhos sonoridades e gustações atenuando as dores do inferno Perante a dança ininterrupta dos pássaros E o sol que me aquece e aconchega neste final de novembro Põe a descoberto igualmente toda a beleza e fealdade No retorno ameaçador da pandemia com a invasão do Inverno   A mãe natureza assume a zanga e provoca ameaçadora Tempestades e inundações, explosões vulcânicas Lembrando ao convencido que tem controlo

O corpo

  O aglomerado retesa-se pelas forças da desordem Com o espirro a lançar-se furioso sobre a vidraça quebrada   E o corpo deteta o perigo nas articulações em alerta Selando fungos viroses alergias e psicoses Esmagando o prazer na zona obscura e silente do ser Insurgindo-se vociferando contra ruídos dos joguetes de lata Circulando nas veias apertadas e esquizofrénicas da ganância A urgência da crença nos valores humanos ficou adiada no passo das cavalgaduras Enquanto pedagogos copiam estratégias ultrapassando traumas e subtil terrorismo O corpo sonha o seu desagrilhoamento concebendo-se na sua identidade Tentando construir ninhos de incógnitas na circularidade do parasitismo   O subjugado abjeto trespassado pela perturbação Ensaia a deterioração pela insatisfação apurada em vácuo Pois a igualdade humana é fictícia numa película de terror E a não interferência testemunhando ocorrências destruidoras É sinal de indiferença insensatez insensibilidade ignorânci

A reconstrução da tela

  Foto: José Lorvão   O sustento transparece à tona em petulância glacial As incisuras absorvem ondulações entre o prazer e a catarse da desconstrução O corpo apaga na ponta dos dedos as cores deslavadas do passado A garganta perfurada silencia os medos tocando o desconhecido O bater cardíaco sente a desmontagem dos alicerces E a decomposição vertiginosa dos fluídos de cores Substitui em transe as autómatas preces   O ser contorce-se rasgando ângulos retos agudos obtusos Pressionando sulcos antecipando explosões Delineando revoltas de cruzamentos em lágrimas microscópicas Revogando lavas ditatoriais por túneis de escoamento Inventando carreiros e flumes oscilantes onde se agitam ruturas Gotículas de suor tombadas em pontes de armazenamento   Desabrocham superfícies ressequidas em recriação ligando ossos quebrados O combate instala-se contra o diabólico de pura fachada Na alteridade renascem sentimentos e perspetivas de entroncamentos E o poema c

O odor da causticidade

  Foto: José Lorvão   O aroma agonizante do vinagre lança dardos cortantes na pele desprevenida Na visão angustiante da carne das mãos, mirrada e carcomida pela acidez da indiferença Lutam as formigas por comida escondendo-se nas ervas daninhas invadindo palácios As portadas entreabertas, sem receio de assaltos pois que nada existe de riqueza E o abismo espreita sobre a escadaria de uma biblioteca inventada No deslizar de um crocodilo de boca aberta e esfomeada     Os pés descalços da princesa esmorecida sem vontade de se rebelar Provocam o colapso das veias na palpitação das unhas rasgadas Contra as vidraças ocultas e estilhaçadas do assalto iminente Esvoaçam os passos de fantasmas num piso de silencioso abandono Velando o pranto sufocante do inocente   A claustrofobia esgarça um espaço reduzido imitador do céu Com gradeamentos a ouro suspensos pela agonia E a esperança arcaica e carcomida de que a morte Será rápida como relâmpago na interminável no

Servidão camuflada

Foto: José Lorvão A escravidão dos dias corrói-me os ossos que me ferem os órgãos da subsistência As melodias ficaram sorumbáticas nas cavernas profundas da escuridão Aguardando novos sentidos de perceção aligeirando o prumo Pois neste respirar de autómatos e mudos por entre calçadas de surdos As aberrações impõem-se como catástrofes disfarçadas de génios A inovação perdeu-se nos egos dos retóricos nos discursos dos mestres Cansados de educandos moucos sem rumo   Os abraços ficaram prisioneiros dos projetos pomposos Os beijos colam-se às ambições pintoras de ilusões Os afagos e carinhos plastificaram-se nos cumes de gelo Onde as sementes não germinam nem as aves se aninham   Espero o desfecho o maremoto o furacão o terramoto a rutura Recomeçar dentro do recomeço Acompanhar os rios flutuantes e em jorro inundar e varrer os despojos Pincelar uma visão no interior de outro quadro Fotografar e reter a sequência da metamorfose em delírio O corruptível e

Os enredos diabólicos do tempo

    Os arames enferrujados escondem-se na densidade petrificada do betume Enquanto homens de tronco nu recebem o sol que lhes bronzeia a pele Martelando as placas de aço geométricas contrariando o ponto de gravidade As mulheres insatisfeitas e exaustas anseiam mãos delicadas e macias Amassando os paladares sobre a língua em agridoces gastronomias   O cupido morreu nos braços da prostração e desprendimento Outros amores brotam dos corações sem fronteiras Agora o meu corpo dilata-se para além da pele e esvoaça Num espaço de moléculas que transferem ao toque Mensagens em código sobre a arte libertária da criação Perante um relvado inundado de mães e filhos Escapando à pandemia qual ameaçador flagelo Quando se iniciam as viagens multimilionárias Acima do planeta volteando no degelo   Este tempo! Este século vinte e um traiu-me os sonhos De navegar no firmamento Quando a imaginação de menina Me transportava para lá da lua fria e austera E me ave

Mariposa

    A energia libidinosa ascende aos lugares mais inóspitos E enterra-se nas cavernas aguardando as criaturas desavindas Na miscelânea campal espremidas até à última gota de água Enquanto a borboleta deposita os ovos Na superfície abaulada das contradições Convencendo-se que o seu reinado chegara ao fim E que as partículas desgastadas Desligadas do entusiasmo Flutuariam por cima dos riachos Onde as rãs coaxavam procurando acasalamento   A mariposa faz agora amor com o silêncio das flores Que nascem no asfalto dos paradoxos Bloqueando a alegria e o riso Enquanto o oxigénio rarefeito enfraquece os pulmões Pela repetição da queda das folhas de outono Bloqueando a lucidez o amor e o siso   A criatura alada esquece os afagos os toques as harmonias Capta somente uma melodia repetitiva ao longe Como uma lengalenga que se dissolve na sonoridade inquieta do mar O auditório enfraqueceu pelo balbuciamento sem veemência Monótono e sarcástico envolto

Alentejo

    Alentejo que me vigias os passos Me trespassas o coração Me confundes com a coragem ou cobardia A rebeldia ou o perdão   Alentejo da infância irreverente e descalça Na calçada escaldante onde a estranheza do ser se esconde Calor abrasador que me queima a pele Convidando às brincadeiras na velha barragem Chapinhando no lago sagrado a suavizar a quente aragem   Alentejo da calma que se torna palco das vozes genuínas Das gentes com ligação à terra salpicada de canchos e lajedos Impregnações castelhanas onde as fronteiras se esbatem E as palavras se confundem na boca dos povos irmãos partilhando dores e segredos   Alentejo testemunha das lágrimas que lavam o rosto de suor e tristeza Que luta na solidão dos menires hirtos em direção ao sol e às estrelas Como se mantivessem o poder de fertilizar a terra E colocassem as crianças felizes sem carências a dançar com elas Por entre as antas que pululam pelo traçado da planície Sepulturas que home

A cuspidela

    O camelo do novo mundo cospe sobre a criatura que o enfrenta E espicaça no silêncio gélido de energias transitórias Julgando que é uma afronta e ameaça Mas o ser que o observa mantém apenas a boca calada   O mamífero ruminante mastiga o alimento e prolonga o processo Regurgitando as teorias e preconceitos E em todos descaradamente o majestoso põe defeitos   Animal de carga que não consegue disfarçar o seu aborrecimento Do alto do penhasco analisa as criaturas restantes no amontoado da carneirada Convicto que as fezes também podem transformar-se acionando outras alquimias E fazer do desperdício um autêntico alimento gerador de folias   Então explode em gestos de irritabilidade Uma chamada de alerta para a sua presença E para a sua delicada crença Então a cuspidela fedorenta Voa e cai certeira no alvo Pois que a imagem provocadora o atormenta E em mudez cortante e acusatória o enfrenta Espertalhão e não burro de carga Recusa-se ao transpo

A dança da avestruz

    A espampanante imitadora de pássaros pavoneia-se em esgares atarantados Vinga-se nas ramificações ágeis para desaparecer dos palcos de confronto Endiabrada revoga as perspetivas dos sonhos iniciadores de mudança Quadrúpedes assarapantados escoltam esta corredora que coitada não voa Viaja apenas presa ao deserto mergulhando o bico nos solos arenosos Engolindo pedras que lhe servem de dentes desfazendo alimentos Revolvem as entranhas coadjuvando a digestão num mundo de ansiosos   Assemelha-se aos camelos na sua sobrevivência sem água A avestruz amiga da onça tem sempre ouvidos vigilantes E a visão corta o espaço de outras animalidades em terreno resvaladiço Inquieta entre outros circuitos arriscando o choque elétrico Atacante excelente quanto menos se espera sai coice preciso   A águia aguarda as inundações de inverno depois da seca austera de verão Talvez então a poderosa e pesada criatura estonteante Desenterre a cabeça do chão e deixe cair a baç

A extinção dos vaga-lumes

    Desapareceram da floresta os pirilampos Nem pelos caminhos agrestes nem nos silvados assomam Agora só as máscaras flutuantes sobre o nada se cumprimentam Escondendo carpidos adornando desapontamentos Rasgando espaços onde mães esquecem os filhos em frações de tempos Injetando estupefacientes hipnóticos segregados pela recreação da avareza Que escraviza progenitores rebentando-lhes com a vontade   Erguem-se esquadrões de fuzilamento disfarçados de benfeitores Dissemina-se no corpo um sangramento ininterrupto Um ácido corrosivo que ateia por dentro E baralha as palavras em acasalamento frenético Facultando intimações do poder embrutecido No bulício dos milheirais transgénicos Imbuídos de um fascismo contaminado de cérebros sádicos Imbecis alheios à decadência ambiental Em que vive o exército anulador de inimigos Criados nas suas próprias veias Genocídios arquitetados nas próprias teias   Agora os melros e as poupas dejetam sobre os bancos dos

A Melodia da evasão

  Foto: José Lorvão Ouço a sonoridade embaladora que me encaminha os passos para a montanha Lá onde os pássaros multicolores esvoaçam entre as árvores E uma cabana de abrigo me espera para que os dias façam O sentido que o contacto humano não fez Pela insuficiência da entrega e desequilíbrio da balança dos afetos   Labuta um ritmo ténue no meu peito querendo abraçar as flores Criar rotas de acesso ao paraíso soltando o coração que pressente Os grilhões que me aprisionam a alma angustiada e insatisfeita   As mãos ansiosas de abraçarem o lobo selvagem solitário Que defende as grutas mais antigas da Terra Acolhendo fortunas subtraídas nas contendas cruéis pela subsistência   Lá no paraíso das borboletas não serão necessárias máscaras Nem cirúrgicas necessárias pela pandemia que nos dilacera os pulmões Nem as fuças desenhadas do engano trágico e teatral De quem aguarda em manhosice para dar o golpe fatal   Os meus olhos orientam-se para o verde das mar

O caranguejo mensageiro

  Foto: José Lorvão O intruso desloca-se lentamente na minha direção Estarei no leito ou em plataforma flutuante Uma das garras da criatura vermelho amarelada sobe para o meu espaço Não existem receios nem laços Apenas surpresa de tão inusitado encontro   Estou vulnerável à geografia exterior que se dilui comigo E nesta junção o crustáceo anuncia-me que existe um campo protetor Talvez uma armadura em forma de garras Que sacode para longe as energias obscuras De um purgatório arquitetado na mente humana   Resiste a concha invisível à espera de ser quebrada Para que a liberdade seja flor germinada em contra corrente Sobre as pedras escaldantes da calçada   Ah intimidade paradisíaca onde foste tu cair Para onde voaste invadida por intromissões cândidas Incisivas sob ameaças à luzência de um amor integral Na linha segregante do tempo algoz e amante   Viver o momento mesmo em sucessivas ausências e lonjuras O dançar eterno do virar as costas até r