Foto: José Lorvão |
Comprime-se a rede de pesca dobrada cuidadosamente
dentro de uma arca
À espera que outras vontades lhe deem serventia
Pois a tarrafa lançou-se incontáveis vezes ao rio e
aos charcos profundos
Onde outrora as lontras saboreavam os esconderijos
Por entre malabarismos líquidos em tornados de
espeleologia
Estão gravados no entrançado da rede os gritos pelo
sustento
Sonoridades e danças que me circundam em rodopio qual
asas planando
Pelos interstícios das velocidades capturando choros
de crianças despidas de roupas e nutrimento
Enquanto membros frágeis mergulham na água gelada da
zona raiana em pleno inverno
Quero envolver-me e cortar a rede como uma coberta de laçadas
Transformando o horror da míngua em delírio de fadas
Bordadeiras de rituais de vida que por magia
Transformam a fome em sorrisos e cintilações de
manobras aladas
Onde os cágados e os sapos as serpentes e os lagartos
As raposas e os lobos beberiam da mesma nascente
Enquanto pelo colapso do tempo a cobra rasteja
mansinho
Até ao meu corpo nado na planície de ouro
Depois do pôr-do-sol púrpura se despedir da imensidão
das searas a poente
Salta rede!
Solta-te da caixa escura!
Bordada de vaidades e fraquezas de cérebros sem
ligação à natureza
Volteia dança flutua!
Balança-te tarrafa no trautear fantasioso da incerteza
Enfeita-te de lantejoulas e endoidece por instantes
nos cornos de um touro
Transtornado com o andamento dos homens cegos pelo
fumo
Conta os chumbos que te aprisionam no lago mais
profundo
E capta os peixes revoltados com os tóxicos acumulados
pela mão do consumo
Derruba os melífluos que escondem a corrupção
encoberta dos campos de extermínio imundo
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