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A mostrar mensagens de março, 2021

A dança protetora da serpente

  Foto: José Lorvão Baila a cobra ziguezagueando em meu redor erguendo a cabeça Não me assusta com o movimento ondulante o reptil astuto Nem com os seus ardilosos esgares de esperteza Dança em círculo anunciando-me a era da renovação e não me surpreende Pois que o espírito do desapego se entranhou em mim com leveza E o corpo sussurra-me que estou em pertinaz transmutação Escoltando as histerias do rebanho que em colapso mutuamente se despreza   Transito afogada colapsando por entre a vertigem das cataratas Pela sonância das hidrosferas em fúria transponho obstáculos E a intuição diz-me que devo saltar sobre a energia criativa em expansão Mesmo que o consciente enganador me reprima os membros E quem sabe o arquitetar de uma traição pintada de inveja na fronha Me coloque de sobreaviso pelo competidor desleal e fingido amigo Bebo o antídoto do veneno vomitado nas minhas costas armadilhando teias E o mergulho de confiança nas águas límpidas envolve-me no abr

Carreiro íngreme

Foto: José Lorvão   Mastigam-se a custo os cardos feitos de contratempos e inseguranças Os prazeres sufocam cerrados no baú secreto em lugar incerto e pulveroso Abundância não vive no meu tempo de vida neste mundo Mas que carreiro é este que me magoa os membros de piso escabroso E ameaça a todo o instante a queda deslizando sem controlo até ao fundo   Os obstáculos que ultrapasso provocam a miscelânea da ruína E o triunfo que obtenho transita pela névoa em substância neutra Que me suaviza os dias persuadindo que sou ser sem idade Apenas um corrupio de vocalizações automáticas de ansiedades e esforços De subidas e descidas de escorregadelas e deslizes   Mas prossigo o ascendimento ignorando para que local me dirijo Este caminho íngreme de terra onde rolam pedras por entre buracos Provoca-me o cansaço asfixiante do calor do deserto por entre cacos   A mão que segura a minha é de alguém que conhece e ampara A minha dificuldade de locomoção em terreno esco

Projetar a fuga

  Foto: José Lorvão Pressinto a criatura encurralada que se convence Que silenciar sentimentos e opiniões cabe no cesto roto e ambíguo da sensatez Entrevê aterrorizada a era das trevas, porém agora disfarçada De uma claridade aparente que atinge o ponto de não retorno E o apartamento de um ambiente recheado de ociosos sugadores de energia É premente para manter o amor próprio e a lucidez sadia   A omissão dos nomes apregoa o desprendimento de falsas sonoridades Este desapego anuncia o escape para a vida ao encontro da serenidade O poder verbal faz indecoroso pacto com um malfadado campo de minas Com a promiscuidade política e financeira onde se arquitetam armadilhas E os vírus minam os corpos abrindo itinerários ditatoriais exibindo garras Que esgaçam os pobres invisíveis na roleta da sorte dos possessores de vacinas   Espera-se o milagre no oratório enquanto os humanos mortos Sucumbindo aos venenos disfarçados de nutrimento Se amontoam em lista de espera em direção gelada para o crema

O lagarto

  Foto: José Lorvão   Emudeci nestes dias de clausura Estranhei as modas e os sorrisos Fiquei na mouca indiferença às momices dos políticos Solicitei a renovação no mais profundo sentir do meu corpo Voltei a dialogar com personagens que agitaram a minha aura Empurrada pela imaginação desaguando em rios secos e marés revoltas Deslizei por telas em branco e folhas soltas   Em sonho apresenta-se o lagarto sem entranhas de membros abertos E contemplando a cena as bocas ociosas sobre a mesa Adiam eternamente a degustação da criatura de sangue frio Conservando-se o animal intacto como ornamento escondendo maldades Vomitado pelo submundo apresentando invólucros de mensagens Avisando que a sobrevivência é rainha num arsenal Contagioso e sarcástico conduzido por traiçoeiras entidades Que viajam de outros tempos e que provocam nódulos Que impedem a mudança a transformação Trespassam a coragem e cai por terra A quimera eternamente adiada da iluminação   O

Não é dali que venho!

  Foto: José Lorvão Apesar do meu corpo visível percorrer os labirintos da casa presídio não é daqui que venho! É que os meus passos percorreram outros espaços Os meus braços prolongaram-se nas asas de voos supersónicos E atingiram outras galáxias geladas belas e mudas Deixei de trabalhar no circo de malabarismos apertados e deslizantes Adquiri omnipresença e tanto estou aqui como me conservo ali   Os meus pés e mãos movimentam-se em piloto automático Tanto acelero como coloco pressão no travão Tornei-me animadora de estendais ao vento e sopro para longe Energias sem cor como bolas de sabão   Não me lembro de ter vindo dali! E o corpo acompanha as transferências mentais enlaçando real e virtual A memória instantânea traiu-me e em segundos fez-se escuridão Talvez este sentir flutuante provenha da instabilidade da bolha protetora A trajetória inverteu-se sem reconhecimento nem manutenção   Sinto o caos a germinar por entre as linhas geométricas do ar
 "Estilhaços no caminho", o meu terceiro livro de poesia, editado pela Chiado Editora no mês de Fevereiro de 2021.