Avançar para o conteúdo principal

O lagarto

 

Foto: José Lorvão

 

Emudeci nestes dias de clausura

Estranhei as modas e os sorrisos

Fiquei na mouca indiferença às momices dos políticos

Solicitei a renovação no mais profundo sentir do meu corpo

Voltei a dialogar com personagens que agitaram a minha aura

Empurrada pela imaginação desaguando em rios secos e marés revoltas

Deslizei por telas em branco e folhas soltas

 

Em sonho apresenta-se o lagarto sem entranhas de membros abertos

E contemplando a cena as bocas ociosas sobre a mesa

Adiam eternamente a degustação da criatura de sangue frio

Conservando-se o animal intacto como ornamento escondendo maldades

Vomitado pelo submundo apresentando invólucros de mensagens

Avisando que a sobrevivência é rainha num arsenal

Contagioso e sarcástico conduzido por traiçoeiras entidades

Que viajam de outros tempos e que provocam nódulos

Que impedem a mudança a transformação

Trespassam a coragem e cai por terra

A quimera eternamente adiada da iluminação

 

O sol abraça-me numa fugidia relação de amantes

Enquanto o instinto me ampara o passo descompassado

Por entre carreiros de ervas onde os insetos invisíveis acasalam

Colho à pressa um ramo florido de acácias

Mas será pouco para dar luz à casa e compor uma jarra improvisada

A gata siamesa dançará em círculo à sua volta

Virá curiosa cheirar o amarelo suave da planta em êxtase colorido

Como faz comigo quando se aconchega no meu abraço

Parecendo sussurrar segredos em esgares preguiçosos ao meu ouvido

Não evitará o meu bocejar de um cansaço inexplicável

Nem justificará a dor de cabeça de sucessivos dias ansiosos

 

Quero sair desta rotina que me esquarteja o cérebro

Comprime-o arrasando os desejos e o entusiasmo

Transformando a fala em balbuciamento

De meias frases que o coração ofegante em revolta refreia

Mas que faz o lagarto sobre a mesa?

Anuncia a sobrevivência ou a catástrofe?

Se a morte é doença e se a vida é alimento

Desconheço onde se demora o instinto do meu encantamento!

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Inverno tenebroso

  Abraço o corpo enfraquecido pela turbulência dos lodaçais Que agoniza perante as chuvas que se evaporam em solos de mordaças e temporais Refugiando-se a mente num submundo sem escravatura Fervilhando a revolta perante a indiferença e chacota dos demais   O isolamento contorna cada curva do feminino Entontecido pelas cavalgaduras sem rosto Capta sementes de destruição Torrentes agressivas de desilusão E os sorrisos transformam-se em rasgos de bocas Onde dentes sem mácula se preparam para triturar e engolir as presas   A sofreguidão de mimos e bajulações é tanta que se escarra Para cima de quem se mantém afastado da mímica De adoração de mafarricos à solta Batendo asas como loucos mesmo sem poderem voar     Neste inverno as nuvens pousaram em campos contaminados Em pulmões doentes expostos ao inquinamento das viroses Em hepatites devoradoras de órgãos contaminados por sugadores de sangue Proliferaram nas chicotadas psicológicas da loucura No

Estado de calamidade

  Foto: José Lorvão Anunciam-se aos ventos catastróficos tempos espinhosos Interioriza-se que a verdadeira praga Aparece como bicho sem emoções humanas Que dá pelo nome de industrialização capitalista E como verme corrosivo vem-nos devorando o corpo e a alma Ao longo das cintilações de extermínio do passado e presente Que provocam flagelos cada vez mais mortíferos Numa plataforma escorregadia indiferente ambiciosa e calculista Triste maio que açaimas as bocas atabafando os prantos Eliminando sorrisos e expressões faciais milenárias Anulando a comunicação instintiva de quem capta um rosto por inteiro Endurecendo a inquietude das ignorantes práticas sanitárias O mundo atola-se na lama da precariedade da saúde pública A nutrição harmoniosa aparece como utopia Num povo sobrevivendo à míngua desdentado e contaminado Pelas más condições de vida sem vigor e educação Pois a ruína ecológica é fruto da insanidade Da paranoia dos ditadores e dos t

Carreiro íngreme

Foto: José Lorvão   Mastigam-se a custo os cardos feitos de contratempos e inseguranças Os prazeres sufocam cerrados no baú secreto em lugar incerto e pulveroso Abundância não vive no meu tempo de vida neste mundo Mas que carreiro é este que me magoa os membros de piso escabroso E ameaça a todo o instante a queda deslizando sem controlo até ao fundo   Os obstáculos que ultrapasso provocam a miscelânea da ruína E o triunfo que obtenho transita pela névoa em substância neutra Que me suaviza os dias persuadindo que sou ser sem idade Apenas um corrupio de vocalizações automáticas de ansiedades e esforços De subidas e descidas de escorregadelas e deslizes   Mas prossigo o ascendimento ignorando para que local me dirijo Este caminho íngreme de terra onde rolam pedras por entre buracos Provoca-me o cansaço asfixiante do calor do deserto por entre cacos   A mão que segura a minha é de alguém que conhece e ampara A minha dificuldade de locomoção em terreno esco