Avançar para o conteúdo principal

Não é dali que venho!

 

Foto: José Lorvão


Apesar do meu corpo visível percorrer os labirintos da casa presídio não é daqui que venho!

É que os meus passos percorreram outros espaços

Os meus braços prolongaram-se nas asas de voos supersónicos

E atingiram outras galáxias geladas belas e mudas

Deixei de trabalhar no circo de malabarismos apertados e deslizantes

Adquiri omnipresença e tanto estou aqui como me conservo ali

 

Os meus pés e mãos movimentam-se em piloto automático

Tanto acelero como coloco pressão no travão

Tornei-me animadora de estendais ao vento e sopro para longe

Energias sem cor como bolas de sabão

 

Não me lembro de ter vindo dali!

E o corpo acompanha as transferências mentais enlaçando real e virtual

A memória instantânea traiu-me e em segundos fez-se escuridão

Talvez este sentir flutuante provenha da instabilidade da bolha protetora

A trajetória inverteu-se sem reconhecimento nem manutenção

 

Sinto o caos a germinar por entre as linhas geométricas do arco-íris

Suspenso no ar luminoso de inverno

Enterrado sob a neve provocadora de distâncias e demências

A pandemia vestida de transparência goza com o delírio humano

E a experiência esquizofrénica esconde-se na máscara e perde expressão

Amortalhada no cubículo agreste do cenário escancarado ao mundo prisão

 

Não é dali que venho!

Que poderia eu estar a fazer num espaço deserto metalizado azedo e corrosivo

Porque me conduzi ao alçapão obscuro procurando a luz

Não!

Não é dali que venho!

Encontrei-me a meio caminho da subida duma realidade homicida 

Desenhada por um elevador claustrofóbico que emperrou

Na trajetória imagética de odores escatológicos

Esbracejando em direção à embarcação ondulante sem resultados perfeitos

Pois que o corpo inerte de esfalfamento nas próprias águas se afundou

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A sobreposição das cordas

Foto: José Lorvão O olhar surpreende a chuva para lá do portal húmido da vidraça Enquanto o estômago é enganado no engodo vertiginoso De uma simples carcaça Os dias repetem os ecos os risos os choros os gritos os abraços e os sorrisos Mas a memória elimina conteúdos de tóxicos recheios Em sobreposição das cordas que serviram para enforcamento E que no agora se transformam em oportunidades de recreio Caminho dentro de roupagens ensopadas e escalo palcos De horizontes em metamorfose inebriantes inalcançáveis sedutores Os sentidos fundem-se com explosões e colapsos Embaraços e desembaraços piruetas e saltos à vara E o corpo de que sou feita prega-me partidas rindo da incredulidade Como se por encantamento ou feitiço me considerasse ave rara Neste atalho por onde deslizo sopro apenas como vento sem norte Uma gota de água derramada no abismo do oceano onde me esvaio e mergulho O resto excedente de uma planície que serve de alimento às bestas A

Inverno tenebroso

  Abraço o corpo enfraquecido pela turbulência dos lodaçais Que agoniza perante as chuvas que se evaporam em solos de mordaças e temporais Refugiando-se a mente num submundo sem escravatura Fervilhando a revolta perante a indiferença e chacota dos demais   O isolamento contorna cada curva do feminino Entontecido pelas cavalgaduras sem rosto Capta sementes de destruição Torrentes agressivas de desilusão E os sorrisos transformam-se em rasgos de bocas Onde dentes sem mácula se preparam para triturar e engolir as presas   A sofreguidão de mimos e bajulações é tanta que se escarra Para cima de quem se mantém afastado da mímica De adoração de mafarricos à solta Batendo asas como loucos mesmo sem poderem voar     Neste inverno as nuvens pousaram em campos contaminados Em pulmões doentes expostos ao inquinamento das viroses Em hepatites devoradoras de órgãos contaminados por sugadores de sangue Proliferaram nas chicotadas psicológicas da loucura No

Resistir

  Foto: José Lorvão A minha própria voz soa-me a desgaste Não sou eu! Apenas um molde das marés Um retrocesso mascarado num “déjà-vu” Embrenhei-me no fluído de imprecisão ondulatório E deixei-me conduzir pela corrente magnética Controladora de pânico por entre o enredo sufocante Num ambulatório cortante e desconcertado A caneta apresenta-se agora nestes dias de ausências Arremesso pesado estranho e ignorado   O azul claro do céu temporário tornou-se por instantes o meu alimento E as árvores! Sempre as árvores companheiras de partilha De trilhos sonoridades e gustações atenuando as dores do inferno Perante a dança ininterrupta dos pássaros E o sol que me aquece e aconchega neste final de novembro Põe a descoberto igualmente toda a beleza e fealdade No retorno ameaçador da pandemia com a invasão do Inverno   A mãe natureza assume a zanga e provoca ameaçadora Tempestades e inundações, explosões vulcânicas Lembrando ao convencido que tem controlo