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A mostrar mensagens de abril, 2020

Primavera sombria

Foto:José Lorvão Vibra nestes tempos de catástrofe muda de incerteza Uma Primavera obtusa dos homens assombrados pelo mostrengo invisível Que lhe invade o sistema e o corrói por dentro em ânsias proféticas Carimbando passaportes para o reino incógnito que sustem a vida como se fôssemos Os desperdícios de uma outra vontade que se dilui nas criaturas anémicas Enleando-se um bordado de eterno retorno germinando dentro da campânula que protege em trejeitos vãos E ao mesmo tempo asfixia nos abraça e nos corta a garganta Nos dá livre-arbítrio e nos decepa as mãos Primavera obscura! Incute nos homens de poder o respeito pelo planeta que nos acalenta E pelos seres que connosco permanecem Como se fosse um cerimonial sagrado de água benta Primavera vazia onde as pessoas se recolhem em casa Pois a maleita espreita e o medo alastra Os preconceitos afloram em gente que outrora foi delicada E o ser humano transforma-se em besta incerta e desnorteada Incorr

Amanhã, hoje não!

  Foto José Lorvão Amanhã abraçamo-nos! Hoje não porque a derrocada que me prende ao chão incute-me no rosto um mar tenebroso incapaz de se acalmar Como se a fúria de várias tempestades criasse um furacão arrasador de gestos humanos Desmembrando rasgando cortando esmagando numa conjetura há muito anunciada Falam e não ouço pois na situação-limite decidem quem vive e quem morre num estalar de dedos Em surdina permaneço hirta qual estátua que parou no tempo E num espaço em colapso fico esperando que o musgo e os fungos me inundem em ferrugentos degredos Amanhã beijamo-nos! Hoje não porque este Abril trajado de rutura e afastamento sem rumo nem aprumo Fecha-se na robótica gritante e magro sustento Abril clausura que alteia sangrento o encerramento de uma inevitável sutura E quando a energia se esgota pela indiferença de quem nos encerra impiedosamente a porta Enterra-nos em cubos de gelo de amargura Amanhã dançaremos! Hoje não porque fazemos t

Deslocações interditadas

Foto: José Lorvão Estamos prisioneiros do estado de emergência Onde se baralha o tempo sem alento Com vigília a surgir de noite e o sono a agitar-se de dia Bem faz o gato de raça comum europeu aconchegando-se ao sol Estendendo-se preguiçoso no parapeito da janela Comunicando o imperativo da meditação num fechar de olhos Sonhando na normalidade inquieta da claustrofobia Vigiando-me os passos os suspiros e o sentir que tudo tomba e asfixia A gata siamesa salta-me para o colo e abraça-me os cabelos Roubo o livro que ficou esquecido na estante E sorvo de um trago o rio de palavras denunciadoras de um estado de coma Que desperta para a vida em troca de outra alma que falece esquecida Ouvindo o ronronar desinteressado volto até mim e abarco Um lugar de corpos em definhamento sem refúgio nem sustento Na contemporaneidade feita de ansiedades em insulações silenciadas Na rutura de beijos e abraços por entre lágrimas dissimuladas Os felinos ser

Transmutações

Foto: José Lorvão As moléculas deambulam traiçoeiras alargando o seu poder Impregnado de potência maléfica rompendo barreiras no mundo humano Perante saltos condicionados que anunciam a extinção da sociedade Em contingente isolamento e uma carga explosiva no seio Da seleção demográfica que derrapa na estatística anunciada Na carência dos afetos criam-se rotas de colisão Perante o estado de emergência que despe as nossas defesas E as mãos tapam a boca abafando o grito em exaustão Com a matemática desorientada na imprevisibilidade do lodaçal No batimento desgovernado do nosso próprio coração Encoberto pelo reator ao rubro da densidade populacional Nos dicionários longe da fala dos indigentes Nascem novas e pomposas palavras que baralho E os erros ortográficos riem do meu desmazelo Perante a onda de calor que me vulcaniza o corpo e a mente Envolvendo indiferente a globalização que faz tiro ao alvo em diversão De mutação rápida enquanto a mem

Bofetadas ocultas

Pressentem-se as criaturas quais insetos rastejantes Acumuladores do capital de imundície Afundam-se nas convulsões da pluralidade De palavreado perturbador de linguagem manhosa Inquisidor de deslizes crucificador de originalidades Penalizando os impotentes numa desigualdade vergonhosa Sentem-se as bofetadas invisíveis dos manipuladores de viroses Como projéteis perfurantes que atravessam as vísceras De quem trabalha para alimentar as bocas escancaradas de espanto Perante os exploradores cobiçosos de negócios perfuradores de minas Ladrões de ouro e sádicos na provocação de chacinas E saltitam os benefícios para uma elite esperta sem ética Perante um jogo financeiro que faz rir poucos E provoca pela calada o suicídio a muitos Neste matreiro e macabro xadrez entretenimento de loucos

A revolta do microcosmo

A insurreição do infinito provoca o choque em cadeia Na vida banal dos estábulos e nos matadouros Enquanto os omnívoros se alimentam insaciáveis por degustações Mundanos caprichos deteriorados ignorantes e envaidecidos Provocando o colapso das vidas humanas das sociedades   Que se vergam aos monstros de escalpes enraivecidos Há um contentor a rebentar na imundície de selvajaria Que devolve o troco embrulhado como presente Na desastrosa e incontrolável pandemia Enquanto os domínios se entranham e tocam Copulam desenvergonhados e oportunistas sem freio nem medida Explodindo com as finanças derrubando a frágil economia E cada empresa vacila com a ameaça de trambolhão desfalque e falida O submundo biológico compete com a fragilidade do esqueleto humano E o flagelo instala-se sorridente em danças de Karma universal Perante as momices imbecis de acumulação neurótica compulsiva Treme a gastronomia capitalista enquanto o flagelo espreita matre

Cinematografia do contágio

  Foto/ ensaio de José Lorvão Rasga-se o véu protetor e delicado que serve de porta fechada Impedimento fantasioso da miscelânea em toada Quando o reino da invisibilidade quebra o gelo desfaz-se em farelo E assoma as garras negras à superfície que se torna desmazelada Gozando com a ignorância contagiosa animal E com a cegueira humana corrosiva que lhe é fatal Os fornos agitam estridentes a tristeza dos submissos Nas cidades silenciadas e asfixiadas pela ambição capitalista Onde os sôfregos operam em palcos de ferro e aço Escravizando humanos em catacumbas de betão Inundadas de lágrimas onde as cordas enroladas em nós de forcas Anunciam o vórtice trágico em implosão e inevitável embaraço E nos recantos mais escondidos a virologia esgaravata para lá do portal Misturando e decompondo rompendo e manipulando Nas ruas nuas desertas de gente sem bem nem mal Perante os pássaros que voam apregoando a liberdade Enquanto os velhos se esvaem mirrad