Avançar para o conteúdo principal

Deslocações interditadas


Foto: José Lorvão


Estamos prisioneiros do estado de emergência
Onde se baralha o tempo sem alento
Com vigília a surgir de noite e o sono a agitar-se de dia
Bem faz o gato de raça comum europeu aconchegando-se ao sol
Estendendo-se preguiçoso no parapeito da janela
Comunicando o imperativo da meditação num fechar de olhos
Sonhando na normalidade inquieta da claustrofobia
Vigiando-me os passos os suspiros e o sentir que tudo tomba e asfixia

A gata siamesa salta-me para o colo e abraça-me os cabelos
Roubo o livro que ficou esquecido na estante
E sorvo de um trago o rio de palavras denunciadoras de um estado de coma
Que desperta para a vida em troca de outra alma que falece esquecida

Ouvindo o ronronar desinteressado volto até mim e abarco
Um lugar de corpos em definhamento sem refúgio nem sustento
Na contemporaneidade feita de ansiedades em insulações silenciadas
Na rutura de beijos e abraços por entre lágrimas dissimuladas

Os felinos serenos vêm deitar-se a meu lado como guardiões
Do mundo subtil de impercetíveis contaminações
Que me escapa do campo de visão por entre os dedos
Perante o elevado e assustador batimento cardíaco
Que se cola ao peso terrífico no peito tatuado de angústia
Então respiro fundo e aguardo os dias de solfejo
As ruas inundadas de coreografias sagradas de gente que dança
E hasteia em forma renovada de prece finalmente entre sorrisos
O brilho do farol por entre o cinzento nevoeiro em esperada aliança


Comentários

Mensagens populares deste blogue

A sobreposição das cordas

Foto: José Lorvão O olhar surpreende a chuva para lá do portal húmido da vidraça Enquanto o estômago é enganado no engodo vertiginoso De uma simples carcaça Os dias repetem os ecos os risos os choros os gritos os abraços e os sorrisos Mas a memória elimina conteúdos de tóxicos recheios Em sobreposição das cordas que serviram para enforcamento E que no agora se transformam em oportunidades de recreio Caminho dentro de roupagens ensopadas e escalo palcos De horizontes em metamorfose inebriantes inalcançáveis sedutores Os sentidos fundem-se com explosões e colapsos Embaraços e desembaraços piruetas e saltos à vara E o corpo de que sou feita prega-me partidas rindo da incredulidade Como se por encantamento ou feitiço me considerasse ave rara Neste atalho por onde deslizo sopro apenas como vento sem norte Uma gota de água derramada no abismo do oceano onde me esvaio e mergulho O resto excedente de uma planície que serve de alimento às bestas A

Inverno tenebroso

  Abraço o corpo enfraquecido pela turbulência dos lodaçais Que agoniza perante as chuvas que se evaporam em solos de mordaças e temporais Refugiando-se a mente num submundo sem escravatura Fervilhando a revolta perante a indiferença e chacota dos demais   O isolamento contorna cada curva do feminino Entontecido pelas cavalgaduras sem rosto Capta sementes de destruição Torrentes agressivas de desilusão E os sorrisos transformam-se em rasgos de bocas Onde dentes sem mácula se preparam para triturar e engolir as presas   A sofreguidão de mimos e bajulações é tanta que se escarra Para cima de quem se mantém afastado da mímica De adoração de mafarricos à solta Batendo asas como loucos mesmo sem poderem voar     Neste inverno as nuvens pousaram em campos contaminados Em pulmões doentes expostos ao inquinamento das viroses Em hepatites devoradoras de órgãos contaminados por sugadores de sangue Proliferaram nas chicotadas psicológicas da loucura No

Resistir

  Foto: José Lorvão A minha própria voz soa-me a desgaste Não sou eu! Apenas um molde das marés Um retrocesso mascarado num “déjà-vu” Embrenhei-me no fluído de imprecisão ondulatório E deixei-me conduzir pela corrente magnética Controladora de pânico por entre o enredo sufocante Num ambulatório cortante e desconcertado A caneta apresenta-se agora nestes dias de ausências Arremesso pesado estranho e ignorado   O azul claro do céu temporário tornou-se por instantes o meu alimento E as árvores! Sempre as árvores companheiras de partilha De trilhos sonoridades e gustações atenuando as dores do inferno Perante a dança ininterrupta dos pássaros E o sol que me aquece e aconchega neste final de novembro Põe a descoberto igualmente toda a beleza e fealdade No retorno ameaçador da pandemia com a invasão do Inverno   A mãe natureza assume a zanga e provoca ameaçadora Tempestades e inundações, explosões vulcânicas Lembrando ao convencido que tem controlo