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Insónia


Foto: José Lorvão



A emergência da catástrofe resgata anónimos sem ninho
Soterrando cadáveres em ilhas vazias assombradas
Onde a putrefação excedeu a sobrevivência no esquecimento dos nomes
E as lágrimas de insónias perderam o sal nas masmorras da crueza social

No desencanto indiferente em intermitências de desamor
Os corpos escondem-se no escuro amordaçado dos cubículos
E na fluorescência hipnótica espertina dos ecrãs inundados de suor
Os olhos cansados contemplam um sol radiante e aconchegante
Acalentando cérebros e corações esperançados num mundo de esplendor

Lábios fissurados sangrando anunciam o caos pandémico
De um planeta estático esperando em vigília a descontaminação
Enquanto os suicidas regressam à proteção falsa do útero materno
Transferindo o salto para lá da percecionada dimensão
Loucas baratas que rastejam no lixo sem cabeça
Escarafunchando sobre a pigmentação dos rostos despertos
Selados pelo temor da desmoralização das famílias
Desfeitas pela agitação silenciosa das chuvas ácidas em rios incertos

O veneno alastra queimando e desfazendo alvéolos pulmonares
Abafando os bramidos estrídulos da calamidade
Os fungos nas vidraças conspurcadas toldam a visão
Desenham esgares em planos arquitetados no desterro permitido
Germinam as madrastas nos muros corrosivos das fronteiras
Gozando libidinosamente com as valas comuns
Em cenários macabros de barbaridade compondo pútridas fileiras

As inseguranças produzem psicoses pintadas de alarmismos
Até as gaivotas se ausentaram das praias desertas
Onde o cloro da insanidade destrói a fauna e a flora
Apenas os pombos insistem em debicar o nada
Sobrevoando as ervas daninhas oprimindo a relva
Por entre o germinar de milhares de sementes
Repetindo o ciclo absurdo do mistério da potência ao ato
Em jardins abandonados onde o tempo parou
E os padrastos tresloucados homicidas atingem o alvo
Mesmo aqueles que fogem à salsada do pavor
E que o realizador macabro e supremo da película fúnebre crucificou





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