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A Melodia da evasão

 

Foto: José Lorvão

Ouço a sonoridade embaladora que me encaminha os passos para a montanha

Lá onde os pássaros multicolores esvoaçam entre as árvores

E uma cabana de abrigo me espera para que os dias façam

O sentido que o contacto humano não fez

Pela insuficiência da entrega e desequilíbrio da balança dos afetos

 

Labuta um ritmo ténue no meu peito querendo abraçar as flores

Criar rotas de acesso ao paraíso soltando o coração que pressente

Os grilhões que me aprisionam a alma angustiada e insatisfeita

 

As mãos ansiosas de abraçarem o lobo selvagem solitário

Que defende as grutas mais antigas da Terra

Acolhendo fortunas subtraídas nas contendas cruéis pela subsistência

 

Lá no paraíso das borboletas não serão necessárias máscaras

Nem cirúrgicas necessárias pela pandemia que nos dilacera os pulmões

Nem as fuças desenhadas do engano trágico e teatral

De quem aguarda em manhosice para dar o golpe fatal

 

Os meus olhos orientam-se para o verde das margens dos ribeiros

Os ouvidos para a harmonia das águas correntes onde pelo estio nadarei

Distanciando-me destes ruídos que me flagelam e a vida me dilaceram

 

Estou prestes a soltar o grito da rutura e da ascensão a outros brilhos

Porque este circo que me envolve é de barafunda risadas forçadas

Trabalho que imita ídolos de cinzas apagadas

Quero sentir nas veias o fogo do incenso perene

A correria livre dos animais à solta

Os cavalos a galopar pelas lezírias generosas

Colher os frutos sumarentos e descansar à sombra de árvores centenárias

Absorvendo a sabedoria do tempo

 

Que ponte sou eu?

Para onde atravesso sem nome?

Que testemunho solto no espaço sideral?

Que recetor aguarda o meu delírio em forma de vendaval?

Que insulamento me recorta o corpo enquanto a respiração se vai

O sangue não corre apenas para o chão em balancé escorre

E o esfalfamento faz de mim um espanta-pardais

No centro de um milheiral contaminado pelos fluidos dos répteis agitadores de galáxias

 

 

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