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Na profundidade da memória

Foto: José Lorvão


 

Sinto-te instalado no lago calmo da minha memória

É lá que me reconstruo por entre os dedos envelhecidos de tricotar mágoas

Escrevendo repetidamente o traçar colorido dos sorrisos e choros

Que me agrilhoaram os encantamentos de infância

Perante contratos terrenos presos às correntes nos adormecidos sonhos

Pelas vergastadas dissimuladas na marcha da censura

Que me orientaram os abraços que ficaram por dar

Nas tempestades abrasivas e cheias provocadoras de rios enlameados

De gemidos famintos de afeto e travessuras sem pecados

 

Vejo-te aprumado pelejando pela vida experienciando a morte de irmãos

Por venenos e soterramentos onde a tragédia espreita

Como um bicho virulento sempre de atalaia

Esperando a oportunidade de lançar a facada nos desprevenidos

Sem meios de sobrevivência pobres e inocentes

Como anjos que flutuam no espaço adornados de cambraia

 

Pressinto desde sempre a tua luta contra as injustiças

E a coragem de enfrentar resistências maiores que as tuas

Pois em verdade antes morrer na batalha a combater

Do que ser escravizado por energúmenos e massacrado

Porque ter honra é ser livre e não pau-mandado

Por ditadores que controlam com a vergonhosa fome

Enchendo-se de riquezas supérfluas e tu na tua contenda

Ultrapassando a vida árida num deserto à míngua e mal-amado

 

O teu testemunho prossegue inalterado!

Há que continuar em frente com semelhantes lado a lado

Hei de ser também uma luz ténue na lembrança de alguém

Pois que seja energia de incentivo à alegria

Que faça da vida uma bela apologia

De bravura entrega e de bem

Que provoque o desejo à cantoria de aberto coração

Porque o sol os campos as serras são folguedo

Que incute nos desgostosos a vontade de dançar

Desprendido de qualquer masmorra ou veneração

Que seja dádiva enfrentando a existência sem medo

Num ritual frenético no mundo em comunhão

E pular de entusiasmo envolvendo tudo e todos de peito intrépido

Enfrentando tempestades sem nenhum obscuro degredo

 

 


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