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Sobreviver ao inverno

Foto: José Lorvão

                                                                Foto: José Lorvão


Subir à superfície inspirando o primeiro oxigénio

Emergindo na intermitência do afogamento no abismo oceânico

Acompanhada pela dança dos peixes e da inquieta luz

Retirar por momentos a máscara de proteção

Para sentir o ar fresco nas vias respiratórias

Contemplar as mãos ressequidas de unhas frágeis e quebradiças

E requerer um passe para um mundo esterilizado

Na ponta da varinha mágica do animador de feiras

Suspenso nas nuvens brancas da ilusão

 

Permanecer num tempo e espaço só meu

E espargir lágrimas salgadas de egoísmo

Que servem de alimento ao motor de subsistência

Impulsionada a desinfetantes que eliminam tudo

Irritando as mucosas que sobrevoam os rios da vida

Amordaçando o grito querendo soltar-se em irreverência

 

Repetir o ritual monótono penoso e solitário

De combinação de alimentos que me explodem na boca

Entre os artifícios viciantes do doce e amargo

Entre a frieza dos nutrientes apesar de multicoloridos

E o adiamento do comestível esquentado

 

Escrevinhar na página imaginária a receita para sobreviver ao inverno

Inventando estratégias para intensificar o alento

Que se sobrepõe acutilante ao borrão de tinta que me limita o sustento

Pôr o pé no acelerador e pensar que pode ser o último movimento

Com que a consciência malabarista me premeia

Absorver a chuva na pele e relembrar a falta de ar

Sentida numa influenza provocadora de alastramento de vírus

Pulverizando alvéolos de uma carruagem enferrujada em descarrilhamento

 

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