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Alentejo

 



 

Alentejo que me vigias os passos

Me trespassas o coração

Me confundes com a coragem ou cobardia

A rebeldia ou o perdão

 

Alentejo da infância irreverente e descalça

Na calçada escaldante onde a estranheza do ser se esconde

Calor abrasador que me queima a pele

Convidando às brincadeiras na velha barragem

Chapinhando no lago sagrado a suavizar a quente aragem

 

Alentejo da calma que se torna palco das vozes genuínas

Das gentes com ligação à terra salpicada de canchos e lajedos

Impregnações castelhanas onde as fronteiras se esbatem

E as palavras se confundem na boca dos povos irmãos partilhando dores e segredos

 

Alentejo testemunha das lágrimas que lavam o rosto de suor e tristeza

Que luta na solidão dos menires hirtos em direção ao sol e às estrelas

Como se mantivessem o poder de fertilizar a terra

E colocassem as crianças felizes sem carências a dançar com elas

Por entre as antas que pululam pelo traçado da planície

Sepulturas que homenageiam os vivos e os mortos

Numa necessidade ancestral de comunicação intemporal

 

E deixo-me invadir pelo ritual derramando água disfarçando a angústia

Sobre a laje das campas dos entes queridos

Como se este elemento insípido inodoro incolor

Se tornasse o canal de ligação entre a luz e as trevas

Ao escorrer lentamente para o solo enquanto o tempo se baralha

E os que outrora cantavam desprendem-se das sebes erguidas pelo pavor

E noutra extensão se espraiam em incomensurável transmutação  

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