Avançar para o conteúdo principal

Chapéus de chuva ao vento

Foto José Lorvão


O trevo de quatro folhas voou sobre as cabeças molhadas dos pedestres
Em vagares de ócio depois da canseira do labor sem sentido
Remunerado como passatempo inacabado floreado e garrido
Aguarda-se o desanuviamento pardacento e a evaporação das pingas
Num pavimento incerto entre passadas femininas evitando os charcos em duvidoso corrimento
As vozes sábias confundem-se com a gesticulação das mãos denunciando o grito lamento
No brado adivinham-se parques de diversão mesmo sem melodia
Enrolando-se as línguas confusas e doridas no som embaraçante do vento

O trevo de quatro folhas não trouxe consigo a sorte
Não impediu os complexos de culpa
E não evitou o contratempo da morte
Sucumbiu às crenças dos homens sobre o firmamento
Apodreceu por entre neurónios de entusiasmo frenético
De quem faz um filho com a força do bélico
E desfaz a individualidade em proveito da universalidade do ligamento

Ah os chapéus de chuva ao vento!
São pronúncio de miscelânea consternada
Resvalamento incoerente homicida repelente
Virose camaleónica
Chave de entrada para o nada
Pura visão viscosa
As roupas encharcadas moldadas aos corpos
Trespassam a pele encarquilhada
Desfazendo-se nas utopias sem sol em angústia gelada

Os pés calejados sangram a cada escorregadela
No reflexo abaulado do asfalto mal-amanhado
E o meu olhar desejando dar o salto para lá para cá
E num deslize camuflado
Transformar-me de ser vivo em conflito
Para em breves instantes flutuar como um ser suspenso alado

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Inverno tenebroso

  Abraço o corpo enfraquecido pela turbulência dos lodaçais Que agoniza perante as chuvas que se evaporam em solos de mordaças e temporais Refugiando-se a mente num submundo sem escravatura Fervilhando a revolta perante a indiferença e chacota dos demais   O isolamento contorna cada curva do feminino Entontecido pelas cavalgaduras sem rosto Capta sementes de destruição Torrentes agressivas de desilusão E os sorrisos transformam-se em rasgos de bocas Onde dentes sem mácula se preparam para triturar e engolir as presas   A sofreguidão de mimos e bajulações é tanta que se escarra Para cima de quem se mantém afastado da mímica De adoração de mafarricos à solta Batendo asas como loucos mesmo sem poderem voar     Neste inverno as nuvens pousaram em campos contaminados Em pulmões doentes expostos ao inquinamento das viroses Em hepatites devoradoras de órgãos contaminados por sugadores de sangue Proliferaram nas chicotadas psicológicas da loucura No

Estado de calamidade

  Foto: José Lorvão Anunciam-se aos ventos catastróficos tempos espinhosos Interioriza-se que a verdadeira praga Aparece como bicho sem emoções humanas Que dá pelo nome de industrialização capitalista E como verme corrosivo vem-nos devorando o corpo e a alma Ao longo das cintilações de extermínio do passado e presente Que provocam flagelos cada vez mais mortíferos Numa plataforma escorregadia indiferente ambiciosa e calculista Triste maio que açaimas as bocas atabafando os prantos Eliminando sorrisos e expressões faciais milenárias Anulando a comunicação instintiva de quem capta um rosto por inteiro Endurecendo a inquietude das ignorantes práticas sanitárias O mundo atola-se na lama da precariedade da saúde pública A nutrição harmoniosa aparece como utopia Num povo sobrevivendo à míngua desdentado e contaminado Pelas más condições de vida sem vigor e educação Pois a ruína ecológica é fruto da insanidade Da paranoia dos ditadores e dos t

Carreiro íngreme

Foto: José Lorvão   Mastigam-se a custo os cardos feitos de contratempos e inseguranças Os prazeres sufocam cerrados no baú secreto em lugar incerto e pulveroso Abundância não vive no meu tempo de vida neste mundo Mas que carreiro é este que me magoa os membros de piso escabroso E ameaça a todo o instante a queda deslizando sem controlo até ao fundo   Os obstáculos que ultrapasso provocam a miscelânea da ruína E o triunfo que obtenho transita pela névoa em substância neutra Que me suaviza os dias persuadindo que sou ser sem idade Apenas um corrupio de vocalizações automáticas de ansiedades e esforços De subidas e descidas de escorregadelas e deslizes   Mas prossigo o ascendimento ignorando para que local me dirijo Este caminho íngreme de terra onde rolam pedras por entre buracos Provoca-me o cansaço asfixiante do calor do deserto por entre cacos   A mão que segura a minha é de alguém que conhece e ampara A minha dificuldade de locomoção em terreno esco