Avançar para o conteúdo principal

A melodia das rosas

Foto:José Lorvão



A escuridão inventa melodias táteis sem língua nem expressão
Perante um corpo que se perde num aperto esbanjado em interstícios estelares
Surgem ramos floridos de onomatopeias que esvoaçam sobre as gargalhadas dos puros
Mas logo o inesperado alérgico brota em jorro do sagrado chão

O pingo de água na folha de papel e o inverso das vozes gera um código ancestral
Onde se confundem o veludo das pétalas e das aranhas
Como se fosse guardião disfarçado camaleão de um alto portal

A caneta roubada deslizando sub-reptícia e cambaleante até à saída
Que é também histerismo sem entrada por entre a multiplicação das cores
E a dependência psicótica em cinematografia dos horrores

Quebram-se as sílabas desengonçadas da rutura
O ruído o perigo as pétalas amachucadas
A decomposição do cordão umbilical as estirpes rachando
O acordar em plena floresta sem cerimonial
Onde os rastejantes arrepiam e os fungos vermelhos encantam envenenando

Beijar a bofetada da mancha de óleo na roupa e o sol escondendo-se por entre o nevoeiro
O vómito em jato denunciando nas roupas a virose instalada
De outro mundo microscópico em via acelerada
Abrem-se as pétalas e rende-se a semente
Nasce esperançado o rebento saudável
E desfaz-se em desmaio inevitavelmente a rosa doente

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Inverno tenebroso

  Abraço o corpo enfraquecido pela turbulência dos lodaçais Que agoniza perante as chuvas que se evaporam em solos de mordaças e temporais Refugiando-se a mente num submundo sem escravatura Fervilhando a revolta perante a indiferença e chacota dos demais   O isolamento contorna cada curva do feminino Entontecido pelas cavalgaduras sem rosto Capta sementes de destruição Torrentes agressivas de desilusão E os sorrisos transformam-se em rasgos de bocas Onde dentes sem mácula se preparam para triturar e engolir as presas   A sofreguidão de mimos e bajulações é tanta que se escarra Para cima de quem se mantém afastado da mímica De adoração de mafarricos à solta Batendo asas como loucos mesmo sem poderem voar     Neste inverno as nuvens pousaram em campos contaminados Em pulmões doentes expostos ao inquinamento das viroses Em hepatites devoradoras de órgãos contaminados por sugadores de sangue Proliferaram nas chicotadas psico...

Equilíbrio

  Procuro equilíbrio no bico do prego revestido de ferrugem Perante as vergastadas invisíveis que me dilaceram A amígdala sobrecarregada com a invasão dos répteis Abrem-se os instintos escorrendo a ansiedade do corte Ondulando a depressão incontrolável massacrada pela visão da morte   Há um bloqueio em forma de choque que me trespassa a alma O respirar mecânico arrasta consigo os desgostos Enfeitados pela indiferença de quem perdeu a capacidade de sentir empatia Disfarçam-se os maus-tratos a hora certa Num trabalho austero em que a porta de saída está sempre aberta   A dubiedade é irmã gémea da falência A inquietação e esmorecimento acumulam-se Perante o cenário acabrunhado e cinzento onde floresce a indecência   O rebaixamento é executado com a frieza A depreciação provém do fundo do poço Onde as algas esfomeadas desejam o estrelato E as trepadeiras se enrolam aos nossos pés desejando a queda Em abalroamento do corpo e espír...

A sobreposição das cordas

Foto: José Lorvão O olhar surpreende a chuva para lá do portal húmido da vidraça Enquanto o estômago é enganado no engodo vertiginoso De uma simples carcaça Os dias repetem os ecos os risos os choros os gritos os abraços e os sorrisos Mas a memória elimina conteúdos de tóxicos recheios Em sobreposição das cordas que serviram para enforcamento E que no agora se transformam em oportunidades de recreio Caminho dentro de roupagens ensopadas e escalo palcos De horizontes em metamorfose inebriantes inalcançáveis sedutores Os sentidos fundem-se com explosões e colapsos Embaraços e desembaraços piruetas e saltos à vara E o corpo de que sou feita prega-me partidas rindo da incredulidade Como se por encantamento ou feitiço me considerasse ave rara Neste atalho por onde deslizo sopro apenas como vento sem norte Uma gota de água derramada no abismo do oceano onde me esvaio e mergulho O resto excedente de uma planície que serve de alimento às bestas A...