Avançar para o conteúdo principal

O escalpar dos afetos






A chuva miudinha transversal ao céu e ao chão
Rasga as cores baralhando-as numa amálgama cinzenta indefinida
Sustentada pela agitação dos gases paralelos ao mar das afetações
Perante o escalpe anunciador do perigo da abrupta mudança
Espreitando o espelho que reflete o encadeamento dos troncos
Em contornos ondulantes de aguarelas
Enquanto os laços se rasgam pela força bruta
De um devir cínico e malabarista
Brincando com os entes inventores de mitologias
Que se escondem na representação das coordenadas fictícias
Assinaladas em mapas inventados ávidos de eternidade

A lâmina desliza pela garganta
Onde os sulcos salgaram os rios da ilusão
Suspensa no estendal de roupa branca
Enquanto as crianças colhiam flores silvestres nos campos verdejantes
Esconderijos de serpentes e dos grilos cantores
Aguardando o dissecar da pele gretada
Que se entrega finalmente ao nada

O escalpar dos afetos é resguardado pela impetuosidade do sol
Que indiferente torra os desgostos e as ideias
Desidrata o tumor instalado no sorriso e embevecimento da vida
Manipulando sem honra a fala que se transforma num balbuciar
Arrastando o silêncio na revolta do incomunicável
Na queda do testemunho irrecuperável
Na renegação do respirar vegetal dos últimos tempos
De borboleta planadora e planeadora de inventos

O escalpe aparece sem rosto sem sujeito sem homicida
Apenas em jeito de carta fechada retendo a mensagem de abalada
Para outros retiros outros astros e nova esplanada
Em que o discurso se aniquila em gestos últimos de sobrevivência
E a força esvai-se em ondas de adormecimento
Paralisando na sedação dos códigos
Os membros em débil comunicação
Pois que o caminho tomou outro rumo e inevitável direção

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A sobreposição das cordas

Foto: José Lorvão O olhar surpreende a chuva para lá do portal húmido da vidraça Enquanto o estômago é enganado no engodo vertiginoso De uma simples carcaça Os dias repetem os ecos os risos os choros os gritos os abraços e os sorrisos Mas a memória elimina conteúdos de tóxicos recheios Em sobreposição das cordas que serviram para enforcamento E que no agora se transformam em oportunidades de recreio Caminho dentro de roupagens ensopadas e escalo palcos De horizontes em metamorfose inebriantes inalcançáveis sedutores Os sentidos fundem-se com explosões e colapsos Embaraços e desembaraços piruetas e saltos à vara E o corpo de que sou feita prega-me partidas rindo da incredulidade Como se por encantamento ou feitiço me considerasse ave rara Neste atalho por onde deslizo sopro apenas como vento sem norte Uma gota de água derramada no abismo do oceano onde me esvaio e mergulho O resto excedente de uma planície que serve de alimento às bestas A

Inverno tenebroso

  Abraço o corpo enfraquecido pela turbulência dos lodaçais Que agoniza perante as chuvas que se evaporam em solos de mordaças e temporais Refugiando-se a mente num submundo sem escravatura Fervilhando a revolta perante a indiferença e chacota dos demais   O isolamento contorna cada curva do feminino Entontecido pelas cavalgaduras sem rosto Capta sementes de destruição Torrentes agressivas de desilusão E os sorrisos transformam-se em rasgos de bocas Onde dentes sem mácula se preparam para triturar e engolir as presas   A sofreguidão de mimos e bajulações é tanta que se escarra Para cima de quem se mantém afastado da mímica De adoração de mafarricos à solta Batendo asas como loucos mesmo sem poderem voar     Neste inverno as nuvens pousaram em campos contaminados Em pulmões doentes expostos ao inquinamento das viroses Em hepatites devoradoras de órgãos contaminados por sugadores de sangue Proliferaram nas chicotadas psicológicas da loucura No

Resistir

  Foto: José Lorvão A minha própria voz soa-me a desgaste Não sou eu! Apenas um molde das marés Um retrocesso mascarado num “déjà-vu” Embrenhei-me no fluído de imprecisão ondulatório E deixei-me conduzir pela corrente magnética Controladora de pânico por entre o enredo sufocante Num ambulatório cortante e desconcertado A caneta apresenta-se agora nestes dias de ausências Arremesso pesado estranho e ignorado   O azul claro do céu temporário tornou-se por instantes o meu alimento E as árvores! Sempre as árvores companheiras de partilha De trilhos sonoridades e gustações atenuando as dores do inferno Perante a dança ininterrupta dos pássaros E o sol que me aquece e aconchega neste final de novembro Põe a descoberto igualmente toda a beleza e fealdade No retorno ameaçador da pandemia com a invasão do Inverno   A mãe natureza assume a zanga e provoca ameaçadora Tempestades e inundações, explosões vulcânicas Lembrando ao convencido que tem controlo