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A mostrar mensagens de 2020

O som e o silêncio

  Foto: José Lorvão   A intensidade da escala natural sobrepõe-se ao ordenamento dos átomos E a melodia reivindica o microscópio perfurando a massa incógnita Avolumada na entrada do foco de visão em porção insidiosa e limitada   A harmonia desfaz-se em sonoridades imprecisas sem energia Nem medida indispensável para a concretização de resultados potentes Desfaz-se a química de outrora e o calor transforma-se em cinzas Apagada a fogueira incendiada pelas forças ocultas dos olhares de amantes   A luminosidade oculta-se por entre os sulcos e as rugas De uma pele manchada e seca pelo atravessamento de zonas interditas De batimentos cardíacos apressados ávidos de aguaceiros tépidos Cingidos em pontos de fuga masturbatórios tatuando feitiços   A música molecular estremeceu nos anseios incontidos Na experimentação das tormentas ambicionando o clímax Nas misturas homogéneas provocadoras de encontros de junção Saímos do sistema de observação e expandimos o

O perímetro sinuoso das mãos

Foto: José Lorvão   A boca captura a força da destilação Depois da agitação desenfreada em sobe e desce Tingida pelos frutos da alienação Enquanto zonas termais amaciam os membros esgotados Renascidos das sepulturas dos escravos em expansão   Os espelhos reveladores criam risos amplificadores de óticas Propícias ao deslumbramento de maremotos incontroláveis Que pelo turbilhão em carnificina cega provocam o esquecimento E traçados geométricos riscam o espaço circunscrito dos cubículos Pela dentição desfigurada de amamentação perdida e doente   A eletricidade espalha-se pelas paredes de cimento Desfeito pelos nevoeiros salgados persistentes Originados pelas algas afundadas e pelas medusas caladas Que se desfazem transparentes na opacidade do areal Poluído de ignorância em forma de alucinado vendaval   O magnetismo das mãos esboça desejos circunscritos No útero regenerador das velocidades cósmicas Provocando os fluídos abrangentes da eternidade inte

Impacto

    Gaivotas esvoaçam por cima do casario improvisado à pressa De asas rasgadas e bico sequioso sobre a cabeça das crianças em retiro Adivinhando as fossas abissais em deslizamentos sôfregos E mastigações defeituosas de criaturas marinhas captando delírios Driblando as disformidades em transumância fugindo aos martírios   Longe do mar sobrevoando a serra detetam a tempestade O musgo invade as fronteiras petrificadas do desgosto Do truque do embuste hipnotizando o observador E o apego esgaça os membros desgastados que nos mantêm de pé Experimento um animalejo defunto que nos tritura e cospe com desdém E a física empreendendo o decreto da divisão em ritual de fogo em furor   É o caos a seduzir a menina do trapézio e o condutor de máquinas De velocidade contagiante desafiadora de jogos virtuais de azar e sorte E surge o impacto o aparato o estrondo imperador renascido ditador A lâmina cortante do confronto inevitável dilacerando a carne E o ego estupidi

A energia da salamandra

    Um ser de pele luzente fixa-se no tronco mais antigo Arrasta-se pelo musgo estabelecendo-se na textura Na cor e rudeza dos contornos dos cantos e recantos das fissuras Procurando nas saliências o famigerado refúgio Escondendo-se nas rachas por entre os fungos no mofo das negruras   Provocador de convulsões tem este animal no âmago a dissimulação A toxina que impulsiona a pressão sanguínea dos indesejados Que afasta do seu caminho colocando-os em fuga por hiperventilação   Observa o fraquejar dos elementos lançando uma fina rede de suborno E na projeção da língua espalhafatosa atrai as moscas mosquitos Aranhas e outros seres movediços hipnotizados e facilmente engolidos Todos servem para lhe encher as entranhas até os vermes da mesma espécie Desde que permaneça no seu poleiro linda e sedosa como uma rosa   A lambisgoia disfarça-se e balança-se Ora se agita ora se ostenta aflita Preparo o salto para longe deste pesadelo acordado Ah salamandra

A lapa do mar e a rocha

    Num tempo fugidio em que as algas flutuantes desaparecem da praia E sofrem arrastamento para a incógnita do alto mar Uma lapa entre as lapas decide aventurar o seu pouso E um procedimento de sobrevivência arriscar   A lapa fogosa entusiasta e matreira ataca outras lapas Requer para si todo o protagonismo E carente de aplausos e estímulos Baba-se perante as vénias da restante fauna marítima Emite caretas para todos os lados em subtil ameaça Até a lula é seduzida pela minúscula forma gelatinosa Escondida sob a casca dura sem graça   Agarra-se à rocha mais perto pois que a força das marés É traiçoeira e pode arrastar embarcações estilhaçando-lhe o costado Murmura-lhe elogios e afaga-lhe o ego Convencida que a rocha será sempre o seu porto de abrigo Beija-a de forma suculenta Abraça-a com a viscosidade de um reptil Defendendo os ovos prontos a eclodir   Este existir é de luas incertas perante o chuvisco entremeado De um oxigénio pelo magm

Cenário rotativos

    Estou perante um palco instável apodrecido pela força das marés sem intelecto Bato palmas oscilo e dou largas ao brado esganiçado batendo sempre nas mesmas lengalengas O pano clínico que me aprisiona o nariz e a boca impede-me de pensar o futuro com determinação Agora tudo fica periclitante assistindo à decomposição dos sistemas Nada é o que aparenta ser Somos temporariamente donos de um líquido ácido que nos escorre pelas mãos A doxa impera em todos os cantos como se fosse a imperatriz dos versículos absolutos Só me resta mudar de estrado pois que a impotência em consertar madeira que range sob os meus pés tornou-se desastrosa As paredes que sustêm o cenário estão prestes a desabar e o soterramento é repetição de tragédia pesarosa   Há palcos rotativos! Mudemos de cenário! O desejo de fuga daqui para ali ou talvez uma pirueta atlética dentro do meu ser Que me expanda a visão e me dê meios de deteção de parasitas gabarolas Ginastas contorcionistas mala

Ruídos e tagarelices

    Limpo os ruídos as lamechices as tagarelices os lambe-botas Excluo também os bolos sem açúcar os queques destilados a sangue frio E os convencidos que a opinião é rainha na terra dos mudos e surdos Viro costas a quem sorrateiramente me despreza só porque sim Talvez o meu olhar intimide o silêncio agrida a gargalhada confunda   O meu cansaço é oriundo da constatação da inutilidade do discurso pobre Da pressa com que se esbofeteia o outro só para se suster mais tempo No tronco da árvore mais elevado como macacos em folia desenfreada   A minha neura provém da ligeireza das falas Quando as sílabas oscilam sem nada dizer Do esquecimento da musicalidade verbal Do inverter a marcha andar de costas às cegas E assim mesmo um som audível é vomitado no compasso da azia plural E entra a dança maluca que acelera almas e corações Pulos de gafanhoto e voos de borboleta vestida de veludo colorido Apenas numa fração de segundo o júbilo do ser ignorando multidõe

A intimidade dos anjos

  Já não há tempo nem espaço para lançar o grito sem que estourem galáxias Porque a ausência melódica mina a troca efetuosa de olhares Perante uma concentração hipnótica egoísta e estagnada Num sobe e desce enlouquecida presa ao chão e à cruz pregada Enfeitada de cordas em nós cegos que dilaceram os desejos De esquartilhar o fruto da anunciação pelos ensejos de luz Numa pontaria suspensa em balizas desgastadas e transitórias Ao desvendar esconderijos de parasitas sugadores de gastas memórias   Há uma praia gigante de sonhos adiados onde não há voos de gaivotas Apenas um crematório à espreita na correria da multidão eleita E a direção que se toma em piloto automático no rolar da estrada Adia só por breves segundos o travão na cadência sem controle da desfeita Brotando uma indiferença florida pelo capricho do ego em dança quebrada   Em modo de rumo às estrelas mesmo sem um centavo Agitam-se promessas de fama num castelo esfarelado Correm as ratazanas sob

A tempestade e o nevoeiro

    O nevoeiro adensa as angústias nos estendais de roupa escura Húmida pela invasão de partículas de água sobrepostas nos contentores De viroses esganadas pela ânsia de penetração em espaço alheio Sem se importar com a leveza a densidade ou o meio Cego e sádico provoca o ocidente a queda o impacto a rutura O rasgo o corte o decepar o mutilar da imagem e da moldura   A neblina invisual pantomineira desliza como matéria informe Adotando vários rostos arquitetados  pelos caprichos da deusa mãe Que por entre floreados abraça o tempo e o musgo nos caminhos Saboreando as águas em harmoniosa sedução Que lhe brotam do ventre inventor de vida por múltiplos ninhos   Encerra o mistério da aranha fecundante de criaturas venenosas Qual esconderijo de amantes onde a paixão esvazia as necessidades De um espelho sempre presente ansiando quebrar-se em corrida acesa Para a liberdade estonteante de viver e morrer sem a nada estar presa   Armadilha disfarçada de te

Movimento perpétuo

  A revolta interior estonteante e em brasa empunhou a espada ao alto E preparou-se para debitar um discurso numa imprecação Ficou decidido que não obedeceria nem a reis nem a imperadores E muito menos a medíocres saídos da lama subalternos estupores   A insurreição assinou um pacto invisível com o conflito Mesmo de logística ausente sem armas e instrumentos de arremesso E vestindo-se de coragem planeou convicta submergir nas entranhas Viscosas e fedorentas do cérebro humano sem oxigénio   Qual cirurgiã alucinada mudar-lhe-ia a estrutura os compartimentos E na massa mole inventaria circuitos novos por sinapses cintilantes Para traçar mapas tatuados à prova de amnésia nos cornos das bestas Ultrapassando topologias agrestes vertiginosas e incongruentes   A sedição associou-se às mágoas com mossas profundas no coração E determinada construiu atualizados canais de comunicação Edificando galerias e programando estímulos no homem indolente Abanando neuró

Sobreviver ao inverno

                                                                Foto: José Lorvão Subir à superfície inspirando o primeiro oxigénio Emergindo na intermitência do afogamento no abismo oceânico Acompanhada pela dança dos peixes e da inquieta luz Retirar por momentos a máscara de proteção Para sentir o ar fresco nas vias respiratórias Contemplar as mãos ressequidas de unhas frágeis e quebradiças E requerer um passe para um mundo esterilizado Na ponta da varinha mágica do animador de feiras Suspenso nas nuvens brancas da ilusão   Permanecer num tempo e espaço só meu E espargir lágrimas salgadas de egoísmo Que servem de alimento ao motor de subsistência Impulsionada a desinfetantes que eliminam tudo Irritando as mucosas que sobrevoam os rios da vida Amordaçando o grito querendo soltar-se em irreverência   Repetir o ritual monótono penoso e solitário De combinação de alimentos que me explodem na boca Entre os artifícios viciantes do doce e amargo Entre

O sorriso por detrás da máscara

    Cintila um raio de luz no sorriso atrás das máscaras Contrariando o receio do descontrolo e insegurança Mesmo com o suor do rosto a escorrer sob o pano Permanece uma postura serena de apaziguamento e esperança Mas sentem-se dias azedos em que uns se queixam das eternas maleitas E outros desesperados imaginam-se a sufocar entubados num horror real Na cama solitária e desesperada de um hospital   Fala a entidade desnaturada sem destino sem origem sem guarda Prisioneira de mim invertendo hierarquias rasgando o livro Nos quarenta graus abafados de loucura fantasmagórica e pestilenta   Enquanto salta até à urna diminuta onde permanecem em descanso As cinzas do que resta do passado que outrora foi presente vivo   Os gestos de resiliência contrariam os incómodos pesadelos Mais agudos de alento faminto e incerto de inconsistência Persistentes as mãos húmidas insistem nos afagos na ajuda Na salvação de seres transmitindo coragem Mesmo sem meios sem ap

Sem espanto

    Foto: José Lorvão   A seleção natural impõe-se como carrasco em tempos de pandemia Que faleçam os fracos os velhos doentes criminosos reles e incompetentes Excluem-se sem pejo os depressivos os inúteis vítimas da sorte Rodam os palcos e o público assistente aliena-se na contenda Do desperdício do horror no desviver lentamente em agonia Inerte qual veneno paralisante na sobranceira crueldade da asfixia Caldeirão onde se emaranham as salsadas e a energia negra do vilão Espalhando-se perpetuamente de forma infinita e cega Pelo elevador metálico qual cárcere panorâmico da manhosa ilusão   Já não acontece nada à superfície que me seja estranho Enquanto o sol vai a pique os elementos fundem num contrair medonho A física e a química transmutam-se sem objetivo e sem meta E a refeição é droga apurada na pressa do escape Pelas imaginações vertiginosas sem controlo de criação inquieta Provam-se os laços perdidos na lonjura e desmembramento do encanto Na vis

Gotas de suor

  Foto: José Lorvão   Procuro a sombra tingida de salvação com os pulmões exaustos Fugindo do braseiro porque o sol se revolta e perfura-me os ossos  Transformando-os em areia crepitante corroendo-me por dentro Empurrando-me e aprisionando-me na campânula do tempo Ampulheta hipnótica escorregadia numa dança invertida Aprumada com o núcleo terrestre e de movimento esfaimada Ignorando desfasamentos e demónios inspirados em lugares sangrentos Enquanto o embalo do berço adoça a alma e a faz dependente do sono Do ritmo enganador da engrenagem topológica do abandono     Gotas de suor gelado humidificam o rosto da criatura à minha imagem Que se esvai perante a tontura provocada pela brisa abafada Só pode ser o vento lento soprando da serra ocioso   Que me sussurra ao ouvido o local secreto da passagem E invadindo-me desarvorado na ondulação vertiginosa do mar Incute-me a vontade que pede o repouso em sigilo suplicante São as profundezas das águas que anulam o

A palavra

  Foto: José Lorvão   O vocábulo estouvado caiu no charco mais profundo Sendo devorado pelas estalagmites da negra caverna Para onde se converteu na ausência de tudo Sem melodia e parceiros que o fizesse dançar Incapaz de se prolongar em êxtase até à imensidão da galáxia Bloqueado por criaturas sugadoras ávidas pelo seu desmembramento Enterrando-o num portal incerto no delírio inacabado do tempo   Os homens serviram-se da palavra para açambarcarem O planeta mais lindo do sistema solar Como parasitas foram invadidos por outros de diferente estirpe E por entre plásticos e enlatados assassinaram os cetáceos os peixes Os mamíferos terrestres e tudo quanto tinha o nome de vida Enlouquecendo na xenofobia e nos ódios incontidos Nos encéfalos em vias de implosão desaparecendo em esqueletos polidos   Criatura estranha esta que não voa nos sinónimos Destruindo-lhes a magia cortando-lhes as sinfonias acopladas às sílabas Que as decompõem em lâminas finas lamb