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A sobreposição das cordas



 
Foto: José Lorvão
O olhar surpreende a chuva para lá do portal húmido da vidraça
Enquanto o estômago é enganado no engodo vertiginoso
De uma simples carcaça

Os dias repetem os ecos os risos os choros os gritos os abraços e os sorrisos
Mas a memória elimina conteúdos de tóxicos recheios
Em sobreposição das cordas que serviram para enforcamento
E que no agora se transformam em oportunidades de recreio

Caminho dentro de roupagens ensopadas e escalo palcos
De horizontes em metamorfose inebriantes inalcançáveis sedutores
Os sentidos fundem-se com explosões e colapsos
Embaraços e desembaraços piruetas e saltos à vara
E o corpo de que sou feita prega-me partidas rindo da incredulidade
Como se por encantamento ou feitiço me considerasse ave rara

Neste atalho por onde deslizo sopro apenas como vento sem norte
Uma gota de água derramada no abismo do oceano onde me esvaio e mergulho
O resto excedente de uma planície que serve de alimento às bestas
Apenas restolho
Trocas químicas resplandecem e atrofiam na comunicação sem palavras Por entre os elementos tecedeiros de salivas amargas
Os campos elétricos faiscam nas montanhas sedimentares de seixos magnéticos
Guerreiam as viroses psicoses rasgos de neuroses
Túneis deslizantes e inquietos

Outras paragens no desanuviar da noite novas estações
Tresloucadas panorâmicas climas tempestuosos loucas atmosferas
E buracos escavados onde os ovos dos extraterrestres
Esperam o advento da primavera em estratos e deportações
De catos e flores de surdos e degustações

A minha linha do universo assemelha-se ao circuito de uma barata tonta
Que apanha boleia de uma carroça prestes a desintegrar-se no caos negro
De um asteroide esburacado em rota inevitável de infinitas colisões
Vibro apenas como ondulação imperfeita e segmento de nada
Como sinal de sentido obrigatório na transitoriedade das constelações

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