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Covardia



O medo carcomido bloqueou a língua das criaturas veneradoras
De ícones e teatralidades existenciais
Enquanto os bichos da madeira abrem currais
Para outros invertebrados que prostituem manjedouras

O medo contaminou os cérebros dos meigos
Dos introvertidos dos dedicados dos extrovertidos dos leigos
Lança a sua garra afiada traidora de mãos e bocas
Rodopia contente e inebriante entre muros sonoros
Finge o mono desgraçado que não existe
E esconde-se por entre as dobras dos corpos
No meio dos sulcos das roupas coladas à intimidade nervosa dos suores
Debaixo dos sapatos e dos chinelos de andar por casa
Fazendo sentir aos pares de olhos que proliferam sobre as cadeiras instáveis
Como passarinhos remelosos asfixiando na gaiola
Onde por maleita e obstrução à inteligência caiu de paralisia a asa

O medo riu-se das beldades maltratadas pelo mundo
Entrançado pelas patologias desencontradas
Sobre a mesa redonda do livre-arbítrio
Onde escorre a ambiguidade das estratégias
A superficialidade sem pesquisa das manobras
O aplauso ao passatempo corrido atrás dos tapumes
Da oralidade viciada da retórica deslavada
Das mãos gretadas gargantas bloqueadas
Dos ouvidos entupidos membros doridos
Pontapeando a artrite pestilenta escoando as lágrimas dos beirais
Extravasando as emoções do grito mudo das hérnias discais

E o inverno que se instala no branco gelado dos corações
Onde a alegria renunciou ao riso
O abraço refugiou-se no buraco mais fundo de cansaço
Mas quem sabe a dança das bruxas na profunda floresta
Sobrevive ao desfecho trágico
Desabotoando os mantos em luzidio desenlaço


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