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Vagabundear



 
Foto: José Lorvão
Os encasacados pedestres apalpam o piso da passeata soalheira
Aguardando a cópula do sol sobre o horizonte
Enquanto os fetos humanos pressentem para lá da cortina vermelha
O conflito a violência o amor vendido a bandalheira

Transita por entre o frio da tarde de inverno a cinematografia dos abraços
As lágrimas correndo inundando a maquilhagem das faces
Que amachucadas experimentaram dolorosos desenlaces

Pantomineiros repuxam para a tela os gestos envaidecidos
Pela pintura exagerada do arlequim transfigurado
Na surpresa bailarina embasbacada pelos patéticos sorrisos
E na inversão da imagem saltitam os reflexos provocadores
Perante a personagem desprezada solitária e mal-amada contempladora do céu
Denunciando posses transitórias na profundidade dos espelhos percursores

Ante a nudez calorosa do equilibrista
O ciclista pedala na corrente curvilínea da explorada e perversa pista
E por entre o ritmo do vem e vai
Eis que num gesto desinteressado a criança resmunga
Num gesticular de revolta recusa o fascínio pela tecnologia engana tolos
E vira costas ansiando pela dança bordando com os pés o chão
Gritando um histérico não ao pedido de tirar uma foto com o respetivo pai

O enrolamento das ondas anuncia a revolta interior
Contra as plataformas movediças cheias roliças
Da engenharia informática angariadora de escravos felizes tal é a sedação
Enquanto o surfista corta as malhas da rede
Manobra os sonhos negros medonhos em fantasia malfadada
Com malabarismos de navegador ao sabor dos vórtices
Desprendendo-se a salsada patológica no traçado psicótico
Em choques elétricos agitando os neurónios descontrolados da espécie castrada


Comentários

  1. Minha querida Ana, os teus poemas são sempre um alerta para mim. Leio e releio . Fascina-me este teu dom que persuade. Penso que tens uma capacidade invulgar para retratar este mundo desastroso em que vivemos.
    Quem me dera que tudo fosse diferente do que escreves. Infelizmente tudo o que dizes é verdade. É rica a tua escrita, fantástica e brutal.

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